O legado espiritual de “O Peregrino” em minha vida cristã

“O que devo fazer?”
Minha vida sempre foi profundamente marcada por uma imaginação fértil, daquelas que me lançavam, sem cerimônia, ao famigerado “Mundo da Lua”. Como era de se esperar, tornei-me um leitor curioso, encontrando nos livros uma influência transformadora sobre minha existência.
Desde cedo, minha formação foi permeada por leituras teológicas que definiram minha visão de mundo, mas os livros de ficção representavam uma paixão singular, exercendo poder de construção sobre minhas convicções. Sempre acreditei que as grandes narrativas, mesmo fictícias, carregam verdades eternas, e nos ensinam com a leveza das metáforas e a profundidade das entrelinhas.
Os livros e seus personagens despertavam em mim uma perspectiva especial, fazendo-me enxergar o mundo como um lugar repleto de esperança, aventuras, perigos e desafios. As influências literárias sobre minha imaginação eram intensas e, frequentemente, cômicas.
Quando li “As Crônicas de Nárnia“, de C. S. Lewis, pela primeira vez, procurei por guarda-roupas mágicos que pudessem me transportar para outros mundos. “Harry Potter”, de J. K. Rowling, me fez sonhar com Hogwarts, onde eu aprenderia a conjurar um Patrono ou executar um Sectumsempra perfeito. O “Drácula”, de Bram Stoker, me inspirou a ser caçador de vampiros e, paradoxalmente, depois desejei ser um vampiro.
“O Monstro de Frankenstein”, de Mary Shelley, despertou minha curiosidade científica, enquanto “1984”, de George Orwell, acendeu em mim um espírito revolucionário. Esses eram os devaneios típicos de uma criança e adolescente que crescia desesperançoso com o mundo real e buscava refúgio em universos que existiam apenas na imaginação.
Embora a ficção oferecesse consolo, eu não podia escapar da realidade cotidiana na qual estava inserido. Crescer é despertar. E a realidade, por vezes, cobra sua dívida com a fantasia.
À medida que crescia, aprendia e desenvolvia minha fé, muitas dessas fantasias juvenis foram perdendo relevância. A vida tornava-se mais séria, o mundo ganhava tons acinzentados, embora os valores e princípios aprendidos através da literatura permanecessem como parte integral de minha identidade.
Com o amadurecimento, surgiram perguntas inevitáveis, dúvidas existenciais e questionamentos profundos demais para serem ignorados. Em meio a essa crescente turbulência interior, uma pergunta ecoava constantemente em minha mente: “o que devo fazer?”.
Foi durante esse período de questionamentos e consolidação da fé que descobri uma verdade fundamental sobre os livros: alguns livros nos leem enquanto os lemos. Foi assim que encontrei “O Peregrino”, de John Bunyan, como quem descobre um espelho entre as páginas.
O título por si só capturou minha atenção imediatamente. Simples, porém profundamente impactante, pois traduzia exatamente como me sentia em relação ao mundo. Crescer na fé cristã e abraçá-la com sinceridade é compreender que não pertencemos a este mundo. Contudo, apesar de me sentir um peregrino, percebia que, naquela fase da adolescência, após atravessar situações conturbadas, estava caminhando sem direção clara, confiando apenas em meus próprios passos, e todos sabemos que a adolescência raramente oferece a melhor bússola para decisões importantes.
Antes de me aventurar na leitura, decidi pesquisar sobre a obra. Descobri que se trata de uma das mais influentes da literatura cristã mundial, publicada em duas partes (1678 e 1684), constituindo uma alegoria magistral sobre a jornada espiritual do cristão rumo à salvação.
O contexto histórico da obra me fascinou ainda mais. John Bunyan, um puritano de devoção extrema, enfrentou intensas perseguições por amor à cruz de Cristo, sendo aprisionado em duas ocasiões. Foi durante o cárcere que concebeu esta obra-prima, transformando sua privação de liberdade em um legado eterno para a humanidade.
“O Peregrino” transcende o conceito de simples analogia, apresentando-se como uma representação autêntica da jornada que todo cristão empreende rumo à Cidade Celestial. Em sua forma poética e rica em simbolismo, Bunyan não apenas narrou uma história, mas ofereceu um testemunho que ecoa a experiência de todos os crentes em Jesus. Trata-se de uma obra profundamente bíblica, onde encontramos referências às Escrituras Sagradas em praticamente todas as páginas.
A narrativa inicia com um homem sem nome, em prantos e desesperado ao ler um livro, clamando: “o que devo fazer?” (exatamente a pergunta que atormentava minha alma naquele momento). Este homem habitava a Cidade da Destruição e, ao ler um pequeno livro (Bíblia), descobriu que a ira divina estava próxima e tudo seria destruído. Em desespero, buscou salvação até encontrar Evangelista, que lhe anunciou as boas novas e mostrou o caminho para escapar da ira vindoura e encontrar o Reino Eterno de paz.
Quando tentou compartilhar essa revelação com sua família, foi ridicularizado por todos. Contudo, determinado a alcançar a salvação, abandonou tudo e todos na Cidade da Destruição, seguindo o caminho indicado por Evangelista. A partir dessa decisão corajosa, ganhou um nome: Cristão. E assim somos apresentados à trajetória de alguém que abandonou tudo o que possuía e conhecia em prol da salvação de sua alma.
A narrativa não nos apresenta apenas as alegrias do caminho, mas também suas dificuldades, os erros que os peregrinos cometem, suas consequências e como todas as experiências cooperam para o bem daqueles que amam a Deus. Aprendemos verdades espirituais que refletem fielmente aquilo que cada cristão experimenta enquanto caminha rumo à Cidade Celestial.
Encontrei este livro em um momento de profundas incertezas. Assim como o Cristão da narrativa, eu me encontrava no Pântano do Desânimo, aprisionado em um lamaçal que impedia meu progresso espiritual. Esta obra foi fundamental para que eu compreendesse minha identidade, meu destino e a forma correta de caminhar.
Ao concluir a leitura, senti um desejo genuíno de ser um peregrino. Não se tratava de mera fantasia literária, como nas leituras anteriores, nem de conhecimento teológico abstrato, mas de uma certeza próxima às Escrituras Sagradas, um chamado para fugir da aparência do mal, independentemente do que fosse necessário abandonar, pois sabia que meu fardo seria removido aos pés da cruz e que o final da jornada seria glorioso e gracioso além de qualquer imaginação.
Sem dúvida, após os 66 livros da Bíblia, esta é a obra que mais exerceu e continua exercendo influência sobre minha vida. Talvez tenha percebido que o isotipo deste blog é um peregrino, uma referência clara ao livro.
Provavelmente todas as pessoas que me conhecem já me ouviram mencionar este livro. Quem me escutou ministrando a Palavra certamente ouviu referências a esta obra, mesmo que não tenha percebido conscientemente.
“O Peregrino” influenciou incontáveis cristãos desde sua publicação, impactando grandes nomes da Igreja e da teologia, bem como inúmeros crentes anônimos cujos nomes não são celebrados, mas cujas vidas foram transformadas.
Esta obra integra minha coleção de leitura anual obrigatória. Sim, todos os anos retorno às suas páginas, e a cada releitura sua narrativa adquire novos significados e profundidades.
Se você é cristão, ou alguém em busca de sentido, permita-se ser encontrado por este livro. Há histórias que entretêm. Outras que educam. Mas há aquelas que transformam. O Peregrino é uma delas.
Suas falas são versículos. Sua trama é doutrina. Sua poesia é discipulado.
E sua mensagem é clara:
Somos todos peregrinos. E é tempo de partir.
“O Peregrino” de John Bunyan é mais que um livro favorito, é um companheiro de jornada, um mapa espiritual e um espelho da alma. Em suas páginas, encontrei não apenas uma história cativante, mas um reflexo de minha própria peregrinação. A obra de Bunyan consegue o que poucos livros alcançam: transcender o tempo e o espaço, falando diretamente ao coração de cada geração de leitores.
Esta alegoria atemporal permanece relevante porque trata da experiência humana mais fundamental: a busca por sentido, propósito e transcendência. Ao seguir os passos de Cristão, cada leitor embarca em sua própria jornada de autodescoberta e crescimento espiritual.
A verdadeira genialidade de Bunyan reside em sua capacidade de transformar conceitos teológicos complexos em uma narrativa acessível e emocionalmente envolvente. Ele criou uma obra que funciona simultaneamente como entretenimento literário, manual de discipulado e tratado teológico, oferecendo diferentes camadas de compreensão para leitores em diversos estágios de maturidade espiritual.
“O Peregrino” me ensinou que a vida cristã não é um destino, mas uma jornada. Uma peregrinação constante rumo à Cidade Celestial. Cada obstáculo enfrentado, cada vitória conquistada e cada lição aprendida ao longo do caminho são parte integrante do processo de transformação que nos molda à imagem de Cristo.
Hoje, anos após meu primeiro encontro com esta obra, posso afirmar com convicção que “O Peregrino” não apenas mudou minha perspectiva sobre a fé cristã, mas redefiniu minha compreensão sobre o que significa viver como cidadão de dois mundos: habitantes temporários desta terra, mas com cidadania eterna no Reino dos Céus.
Se há um legado que desejo deixar através desta reflexão, é o convite para que você também se permita ser encontrado por esta obra extraordinária. Pois, como descobri naquela época de incertezas juvenis, às vezes precisamos de um espelho literário para enxergar com clareza quem realmente somos e para onde estamos caminhando.
A pergunta que abriu esta jornada – “o que devo fazer?” – encontra sua resposta nas páginas de “O Peregrino”: devemos abandonar a Cidade da Destruição, carregar nossa cruz e seguir em direção à Cidade Celestial, confiando que, ao final da jornada, nossos fardos serão transformados em coroas de glória eterna.
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