Às vezes, como agora, sinto que tenho muito a escrever, mas simplesmente não consigo, ou não sei por onde começar. Bom, como alguém me disse uma vez, o segredo é simplesmente começar… então, cá estou eu. Já é madrugada e perdi o sono depois de algumas horas de estudo.
O tempo lá fora está interessante: está nublado e frio. Consigo ouvir o vento balançando as árvores, como se as fizesse dançar na penumbra da noite. É uma noite escura e bonita, daquelas que a gente pensa na vida.
Falando nisso, recentemente tenho pensando na causalidade da vida. Vejo meu tempo passando e os questionamentos surgindo numa velocidade que não consigo acompanhar, nem responder. Quando dou por mim, já tenho uma pilha enorme de “porquês” e quase nada de respostas concretas… Acho que essa é a sina de qualquer pessoa que se acostumou a pensar muito sobre tudo.
Há uns dias, me veio a seguinte pergunta aleatória numa madruga, enquanto o sono fugia de mim: se Deus me visitasse (teofania¹) e me dissesse que eu poderia reviver todos os momentos da minha vida, por onde eu começaria? Tenho muitas memórias que gostaria de reviver, de me lembrar com mais detalhes e de sentir novamente o que senti naqueles momentos. Outras, no entanto, eu preferia esquecer e jamais me lembrar novamente.
É curioso como certos momentos nos marcam para sempre, como se colocassem um selo em nosso espírito. E, de repente, aquele momento se torna parte de quem somos, seja bom ou ruim.
Fiquei por um tempo relembrando minhas boas lembranças da infância, da adolescência e até da vida adulta. Mas, inevitavelmente, vieram à minha mente também todas as lembranças ruins que me deixaram cicatrizes de uma forma ou de outra.
Foi então que me fiz outro questionamento: depois de Deus me permitir reviver os momentos da minha vida, Ele me oferece algo tentador: posso reiniciar a minha vida a partir de um momento que já aconteceu. Uau! Acho que todo mundo já desejou isso, pelo menos uma vez na vida. Consigo pensar em, no mínimo, uma dezena de situações em que gostaria de poder reiniciar e fazer tudo diferente.
Mas, como alguém que pensa muito e cria várias nuances para a questão, comecei a pensar que não seria assim tão simples de decidir. Comecei a pesar a minha história numa balança imaginária: em um dos pratos estavam minhas memórias candidatas ao reinício; no outro, tudo de bom que vivi depois desses momentos ruins.
Sério, quando colocamos momentos bons e ruins em comparação com a nossa linha do tempo, as coisas ficam malucas e, por alguns instantes, a gente não sabe o que pensar.
Ainda pensando sobre a questão, percebi também que, caso reiniciasse a minha vida em um determinado ponto, isso significaria que a vida de muitas pessoas com quem tive contato direto e até indireto também seriam afetadas. Pessoas que conheci, com quem me relacionei, conversei, ajudei, fui ajudado ou tive qualquer influência, simplesmente teriam as suas vidas alteradas.
Mas, isso seria bom ou ruim para elas? Seria egoísmo da minha parte pensar apenas nas minhas dores e lembranças ruins e, com isso, ignorar a vida das outras pessoas? Aliás, considerando que eu também não me lembraria dessas pessoas, das nossas histórias e lembranças compartilhadas. Misericórdia! Uma pergunta hipotética e aleatória desencadeou muitos pensamentos.
Fiquei por um bom tempo pensando nisso e tentando encontrar argumentos para, caso (hipoteticamente) Deus me fizesse a infame proposta de alterar a minha própria linha do tempo, eu pudesse reiniciar sem qualquer peso na consciência. Mas, não consegui. Acho que, de certa forma, sempre aceitei que a nossa vida neste mundo é uma linha (não necessariamente reta) com começo, meio e fim.
A partir desse ponto, meu lado cronicamente cristão entrou em cena e a pergunta hipotética se transformou em algo mais sério dentro de mim. Comecei a refletir sobre como cada lembrança, boa ou ruim, me fez ser quem sou hoje, me moldou de todas as formas e me trouxe até aqui.
A verdade é que na vida nem sempre a gente entende os porquês, nem por que estamos em determinado lugar, mas em algum momento as coisas se encaixam e, quando percebemos, estamos exatamente onde deveríamos estar.
As questões hipotéticas me pareceram bobas depois de um tempo, porque me dei conta que a vida, como uma linha com começo, meio e fim, exige de nós responsabilidade. Talvez essa seja a palavra-chave que muitas pessoas ignoram. Devemos ter a consciência de que a Lei da Semeadura não falha, e em algum momento todos temos de fazer a nossa colheita.
Não dá para simplesmente tomar decisões, realizar ações e viver sem pensar que tudo tem consequências, sejam elas boas ou ruins, e que não podemos reiniciar a vida a partir de um certo momento como num videogame para que esse momento nunca tivesse existido.
A consciência nos faz perceber que tudo o que fazemos ou vivenciamos irá nos afetar de alguma forma, a curto, médio ou longo prazo, e que não temos como escapar disso.
A grande solução para equilibrar a balança onde pesamos os momentos bons e ruins é compreender que o segredo para uma vida plena é saber reagir a cada acontecimento e, com isso, controlar como eles nos afetarão e até que ponto influenciarão quem somos.
Depois, voltei a pensar sobre os meus dias ruins e lembranças desagradáveis, e percebi algo que encheu o meu coração de alegria: não importava o quão ruim fosse a lembrança de um momento doloroso, ao refletir sobre ele eu sabia que Deus havia estado comigo e me ajudado a caminhar, mesmo que naquele momento eu não tivesse percebido.
Acho que se Deus me visitasse e me permitisse reviver as minhas memórias, era isso que eu perceberia mais cedo ou mais tarde.
A partir de uma compreensão de que a vida é repleta de causalidades que fogem do nosso controle, aprendemos a viver de forma responsável de todas as formas.
Enfim, pensamentos aleatórios assim às vezes invadem a minha mente e, de alguma forma, tornam-se reflexões produtivas.
- Teofania vem do grego theophaneia (de theós = Deus + phaínein = aparecer, manifestar-se) e significa manifestação visível ou perceptível de Deus aos homens.
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